A Caridade de todos os Natais
“Não se esqueçam de fazer o bem e de repartir com os outros o que vocês têm, pois de tais sacrifícios Deus se agrada.” Hebreus 13:16
Não parece estranho escrever um texto sobre o Natal em pleno outono de abril, não completando nem mesmo um par de ano? É justamente por causa desse pensamento que precisamos falar sobre esse assunto, antes que o natal chegue. Quando deixaremos de abrir as nossas mãos apenas para uma data específica? Ela serve de lembrança, não de obrigações. O que procuramos fazer em uma época natalina com um esforço contrário do que é esperado ao longo dos outros 364 dias só evidencia nossa falsa pobreza de espírito.
Pensamos naquele que necessita somente quando a sociedade diz que esse é um bom momento para fazê-lo. Após isso, ninguém é obrigado a ajudar ninguém. E é claro que, de certa forma, não somos. Mas por que não fazemos isso por reconhecer a importância de uma pequena ajuda? Por que é necessário uma lei, um costume ou um feriado para tomarmos tais atitudes? Não existe moral nas paredes da nossa consciência? Essas lembranças culturais demonstram o que antes era feito de coração, e agora materializamos a boa ação como uma ideia a ser seguida simplesmente por seguir, mas não para ser sincera e transformadora.
“Cada um dê conforme determinou em seu coração, não com pesar ou por obrigação, pois Deus ama quem dá com alegria.” 2 Coríntios 9:7
O Natal é de um espírito diário, ainda que exista momentos desanimadores e uma pressão constante durante todo o ano. Não podemos deixar que o nosso “hoje me sinto bem” defina se podemos ajudar alguém que não está bem quase todos os dias, e não vemos. Há ainda quem pense que ajudar, doar, presentear e ser caridoso se refere apenas às pessoas desconhecidas que claramente precisam de auxílio e, do modo mais breve possível, prestar esse auxílio financeiramente ou por bens materiais. Não os veem como seres humanos, não esperam que os olhos agradeçam, só desejam aliviar a consciência. Para essas pessoas, que muitas vezes é o nosso próprio ser, há apenas uma observação: indulgências não funcionam e nunca garantiram espaço celestial para acomodar o nosso ego.
Caridade é dar aos pobres. Temos essa resposta na ponta da língua, ignorando que, na verdade, seria a ação que apresenta uma pessoa que possui caridade, mas não a caridade em si. Entretanto, é somente isso que vemos durante o natal? Será que a harmonia não é um pouco diferente, já que nos preparamos para sermos mais gratos e pacientes com as outras pessoas sem oferecer nada em troca? Antes de refletir sobre isso, é bom analisarmos sobre o que essa palavra nos ensina.
Segundo o escritor britânico C. S. Lewis (nome que será necessário seu destaque em muitos outros textos), a Caridade pode ser definida como “amor no sentido cristão.” Mas esse amor não se trata de um estado de sentimento, mas de vontade. Não é ajudar quem mais se simpatiza conosco, pois isso é natural. Mas é exercer a bondade de forma universal, já que mesmo com nossas falhas e ainda que não gostemos de algumas atitudes, continuamos a desejar o nosso próprio bem. Assim também, é o que deve ser feito em relação as outras pessoas. Não se apresenta através da emoção, na imposição de uma amizade, muito menos, na necessidade de ser notado.
“Pois se amais os que vos amam, que galardão pode haver nisso? Porquanto, até mesmo os ímpios amam aqueles que os amam.” Lucas 6:32
A caridade não é um termo que significa o ato que foi exercido por alguém em favor de outro. Ela é a virtude do qual essa pessoa possui que é expressa através dessas atitudes. Caridade não é só doar, mas saber doar-se. E entender podemos realizar o bem para aqueles que vemos todos os dias ou para quem acabamos de conhecer, pois não vêm de um relacionamento que adquirimos com aqueles que temos, naturalmente, afeição. E sim, algo que alcançamos com a graça de Deus e buscamos beneficiar o próximo, não gostando de todos para ser legal com eles, mas ser legal com todos para, quem sabe, acabar gostando da maioria deles.
“A regra para nós é perfeitamente simples. Não perca seu tempo se preocupando se você ama o seu vizinho; aja como se o amasse. Assim que fazemos isso , descobrimos um dos grandes segredos. Quando você começa a se comportar como se amasse alguém, vai acabar amando mesmo. Se você for ofender uma pessoa de quem não gosta, vai acabar desgostando dela ainda mais. Mas se fizer algo de bom a ela, vai acabar desgostando dela menos. Existe, porém, uma exceção a essa regra. Se você lhe fizer um bem, não para a gradar a Deus e obedecer à lei da caridade, mas para lhe mostrar como você é uma pessoa capaz de perdoar, para lhe deixar em dívida e para sentar-se à espera de manifestações de “gratidão”, provavelmente vai decepcionar-se.”
Trecho retirado do livro “Cristianismo puro e simples”, C. S. Lewis.
Seria necessário realizar uma lista de afazeres que podemos cumprir para entender o impacto que causamos quando ajudamos o próximo sem esperar que o natal se aproxime? Uma blusa de frio e um cobertor para quem não tem casa, agora que os ventos sopram mais intensamente; um alimento não perecível e um lanche no final da tarde, que o desempregado anseia no seu interior e para entregar aos filhos; o bom dia que a atendente não conseguiu expor a você com facilidade naquele dia de feriado; a idosa que deixou sua garrafa de água cair no estacionamento sem querer; o chocolate que você prometeu entregar fora do dia de Páscoa; as horas de obrigações que você pode renunciar um dia para ouvir e ajudar alguém que tem mais pressa para ser ouvida; o presente que você compra a um grande amigo que não te presenteou no seu aniversário; as suas moedas guardadas para o sorvete que são entregues para quem precisa pegar o ônibus pela manhã; prezar pela boa convivência entre vizinhos, compartilhar o folheto de quem tanto procura pelo seu animal perdido… São exemplos totalmente aleatórios, porque não importa a forma como você pode se tornar próximo do seu próximo, só não espere que o natal chegue para realizar isso. Ainda que façamos tudo o que dizemos ser caridade, sem realmente ser caridoso, essa caridade não é uma realidade dentro de nós. Não podemos nos esquecer do essencial: a caridade não é ter mãos cheias, mas um coração que transborda.
A Suprema Excelência da Caridade
“Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos e não tivesse caridade, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.
E ainda que tivesse o dom de profecia e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse caridade, nada seria.
E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse caridade, nada disso me aproveitaria.
A caridade é sofredora, é benigna; a caridade não é invejosa; a caridade não trata com leviandade, não se ensoberbece, não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta…”
Há traduções que definem a Caridade expressa em I Coríntios no capítulo 13 como Amor, sendo muitas vezes utilizado para representar algum tipo de amor específico, para com o cônjuge, a família, amigos entre outras formas. Imaginam que usar a outra palavra não faria muito sentido, já que no amor, nós sentimos por quem gostamos. Mas a palavra caridade, muitas vezes vista como algo diferente do que dissemos ser amor, se esconde como uma virtude muito mais abrangente. Se amamos, queremos o bem desse alguém, logo, somos caridosos. Mas quem adquire a caridade consegue desejar o bem mesmo sem amar. Esse é o amor ao próximo declarado como mandamento por Jesus, em que entregamos esse amor que nos foi entregue por Deus para amá-lo e amar ao nosso semelhante, voluntariamente, não esperando que haja correspondência ou afinidade, e sim uma dedicação mútua para que todos vivam bem. A caridade é um substantivo, não um verbo. Mas é através desse nome que agimos. Caridade é um amor ensinado pelo cristianismo. Um amor sincero, puro e simples.
“Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e a caridade, estas três; mas a maior destas é a caridade.” — Paulo de Tarso